Casamento Gay
Muito se tem especulado sobre o príncipio da igualdade plasmado no artigo 13º da Constituição da República Portuguesa a propósito do casamento entre homossexuais. Discute-se a possibilidade de duas pessoas poderem ou não contrair matrimónio à luz da lei. O ponto de conflito centra-se na 'suposta' contradição entre duas disposições normativas, uma legal a outra constitucional. Em termos gerais diz-nos o Código Civil no artigo 1628.º e) que o casamento civil contraído por duas pessoas do mesmo sexo é juridicamente inexistente. Por seu turno, em termos gerais diz-nos a Lei Fundamental no artigo 13º que ninguém deve ser discriminado em função da sua orientação sexual.
Tomei a liberdade de reunir umas considerações meramente jurídicas acerca desta questão a título informativo, para quem se encontre um pouco alheio aos trâmites jurídicos:
Os direitos fundamentais são o conjunto ou complexo de posições jurídicas activas, reconhecidas às pessoas singulares ou colectivas pela Constituição que frente aos poderes públicos e terceiros permite agir ou reagir contra estes, dentro da sua esfera jurídica. Categoricamente podemos enunciá-los como direitos civis, direitos socio-económicos e culturais e direitos políticos. Estes direitos são protegidos por uma série de princípios os quais se denominam como Príncipios Estruturantes dos Direitos Fundamentais. Entre eles encontramos o afamado Princípio da Igualdade.
O Tribunal Constitucional tem definido o Princípio da Igualdade como um princípio estruturante da Constituição da República Portuguesa (Acórdão 403/2004), isto é, a igualdade é o valor supremo do ordenamento jurídico. É um valor que modela todo o enquadramento jurídico, nomeadamente como critério de interpretação. Sem igualdade, não há Estado de Direito. Num outro acórdão do Tribunal Constitucional foi definido o conceito de igualdade como histórico, relativo e relacional, o que significa que é um conceito que tem variado ao longo dos tempos (atente-se na posição jurídica da mulher, por exemplo), não é absoluto e pressupõe uma comparação - Acórdão 231/94.
O artigo 13º, n.º 1 da CRP diz-nos que:
Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei.
Já no artigo 13º, n.º 2 da CRP enuncia-se o princípio da não discriminação:
Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.
O primeiro apontamento a fazer ao n.º 2 deste artigo cinge-se ao facto que esta lista é meramente exemplificativa. O facto de ter sido acrescido em 2004 o conceito de não discriminação pela orientação sexual, não trouxe nada de novo ao ordenamento jurídico. Seria inconcebível o legislador plasmar num artido todas as possibilidades de discriminação de uma forma taxativa o que significaria que não haveria nenhuma outra para além das enumeradas.
Em segundo lugar, o princípio da não discriminação é uma norma geral. Em termos enquadrantes, existem normas gerais e normas especiais; as primeiras postulam normas que por força do próprio conceito são gerais e cedem perante as segundas quando prevejam situações de, por exemplo, discriminação positiva. Em termos exemplificativos, o art. 13º, n.º 2 (norma geral) diz que ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão da sua instrução, mas por seu turno o artigo 76º, n.º 1 (norma especial) diz-nos que o regime de acesso à Universidade e às demais instituições do ensino superior garante a igualdade de oportunidades e a democratização do sistema de ensino, devendo ter em conta as necessidades em quadros qualificados e a elevação do nível educativo, cultural e científico do país.
Para além disto, este artigo funciona como uma presunção legislativa, ou seja, traduz-se numa condicionante do exercício legislativo nos termos em que modela o trabalho do legislador, exigindo um fundamento para a sua acção. Quando actue contrário a este princípio, o resultado desse exercício normativo incorrerá em inconstitucionalidade. De acordo com esta noção, o Tribunal Constitucional entendeu, também, que uma discriminação é inconstitucional quando não justificável ou irracional, proibindo-se o livre arbítrio na acção do legislador.
Será então nosso entendimento que o artigo 13º, n.º 2 da CRP não consagra um direito fundamental, é tão somente uma regra de interpretação. Pese esta tautologia, a previsão constitucional em causa não é taxativa e não existe, por isso, qualquer contradição entre esta e a disposição legal. Portanto, o mencionado artigo do Código Civil não será, de todo o modo, passível de incorrer em inconstitucionalidade por violação de um princípio fundamental constitucionalmente garantido. Como oportunamente defendido, a posição contrária de sectores activos neste processo não terá, por conseguinte, qualquer fundamento.
Posto isto, permitam-me novamente ressalvar que estas tratam-se apenas de questões jurídicas, desprovidas de qualquer opinião pessoal. Terei certamente um entendimento diferente por uma revisão do Código Civil em prol da humanização de uma questão há muito ignorada pelas altas instâncias, colocando Portugal a par de uma série de países que já tiveram o discernimento de encarar esta questão com a objectividade precisa, como também trabalhando em prol do próprio desenvolvimento social de que este País tanto necessita.
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